quinta-feira, 10 de maio de 2012

Ide em paz e que o Senhor vos acompanhe.

Era o fim. Há muito tempo que não assistia a uma missa e tinha já esquecida a sensação de impaciência absoluta em que me deixa o discurso eclesiástico. Que é preciso ser amigo de Jesus. Que é preciso avaliar todos os dias se essa amizade se mantém e se ela é real. Se é sentida. Que não serve só dizer que se é amigo de Jesus porque as palavras não têm valor. E que o ser-se cristão é como uma dádiva que vem dos céus, que ninguém pode controlar, que ela existe ou não existe, ou é ou não concedida.

O padre olhava uns e outros desde o fundo dos seus olhinhos azuis. Era evidente que os julgava. Não se tratava de um homem do campo, como todos aqueles que se encontravam em pé do lado de cá, braços cruzados no peito ou atrás das costas, caras sérias, ausentes. Era um padre da cidade grande, o sotaque de Buenos Aires e os rasgos europeus delatavam essa procedência. À entrada tinha cumprimentado todos individualmente, coisa que não deixou de surpreender – seria porque é um lugar pequeno, seria porque adopta atitudes de outros tempos, seria para controlar bem as presenças?..

Nunca vi celebrações menos sentidas que as da Igreja, tão carregadas de obrigatoriedade, de bocejos contidos e onde ninguém experimenta alegria de verdade. Sempre me desiludiu essa falsidade.

A dada altura o padre deve ter experimentado umas iluminações divinas e decidiu ser hora de fingir que animava a malta. Como se fosse o apresentador de algum show, começou a perguntar à plateia coisas como: “e nós quem somos?” ou “e Jesus o que é?”, frases aparentemente conhecidas pelos presentes, dado que respondiam com vozes fracas e dispersas “os seus seguidores” ou “filho do amor”.

O sangue fervilhava-me em parte no pés porque não me podia sentar e em parte no cérebro pela indignação. Como é que se pode passar uma hora inteira a tentar fazer as pessoas sentir-se culpadas? Como é que se parte da desconfiança para receber os fiéis na tal da celebração dominical? Como é que esse senhor não se apercebe da incoerência daquilo que defende: se ser cristão é uma dádiva dos céus e não se “decide” nem se é por palavras, então a única coisa a fazer é esperar quietinho que o bom deus repare em nós e faça descer a benção. Depois disso, a amizade com Jesus será natural e ocorrerá sem esforço, não é preciso ouvir sermões. Aqueles que não são verdadeiros cristãos, é porque têm tido azar (e nada podem fazer). Os outros já são bons cristãos porque se o são a sério, não há maneira de que o sejam “mal”.

Ouvi dizer a mentes mais alternativas que estas, que Jesus foi o primeiro hippie da História. O mérito da sua palavra é indiscutível. Mas tudo o que veio depois não passou, na sua maioria, de lutas de poder mascaradas de espiritualidade. Feriram muitíssimo e destruiram ainda mais. E foi por isso que ouvir a voz rouca do padre entoando cantos de aleluia e fingindo que comia o corpo de Cristo, ao mesmo tempo que as peles escuras desta américa sopravam baixinho as frases aprendidas, me deixou pesarosa.

Creio que não vou voltar a baptizar nenhuma criancinha, ainda que seja apenas uma formalidade.