quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Tardes quentes em Resistência, Chaco. Entre as duas e as cinco da tarde o bairro adormece e só os tectos de zinco estalam de vez em quando. Da janela vê-se a cama de rede lá em baixo, no pátio. Estática. Não é boa opção estar ao ar livre.

Depois do almoço passa religiosamente o senhor dos gelados – transpiradíssimo - na bicicleta. Toca uma sineta que parece urgente. Mas que som não pareceria urgente na espessura destas sestas? Que heladero não escorreria suor da testa vincada? Agradece com um jeito sincero o copo de água. Obriga-o ao horário a natureza própria do negócio e é quase encolhendo os ombros e sorrindo que o assume. Ando desde el medio dia.

O sol vai alto, raspam algumas cigarras. A cadela esconde-se debaixo do assador de tijolo, atrás de uma cortina. A gata empurra a porta sem delicadezas e pede para entrar, também ela se quer esticar ao fresco que guardam as paredes. Hoje, os gestos exibem-se e as vontades aceitam-se com a lentidão exigida pelo clima.

E, nesse mesmo fluir do calor e da existência que respira pesada e pausadamente, tudo se desliga sozinho. Silenciosos à força, computador, ar condicionado, música... Calam, por segundos, o zumbido da civilização moderna. Não há tempo. Não há tempo. Não há tempo - até que o escape de uma mota ruge na avenida e estilhaça o momento.

Todos os Verões há uso excessivo e cortes de electricidade frequentes. Não se pode fazer mais do que esperar, 20 ou 30 minutos é o costumeiro.

A sensação, no Chaco, é que nunca nada é demasiado sério. Ao fim da tarde, todos põem as cadeiras na rua, em frente à porta de casa e sentam-se a beber tererés (um mate tomado com água gelada ou sumo). Nessa altura as crianças brincam, saltitam, espalhafatam, jogam à bola. Mas o ruído que mais se faz sentir é o da música que sai de muitas das casas. Reggaeton a alto volume. Pum... pum pum pum, pum. Pum... pum pum pum, pum. Algumas senhoras regam e varrem os passeios. Alguns senhores lavam e acariciam os carros. Mas a maioria está sentada de perna estendida e alterna entre deitar liquido num copo de alumínio e chupá-lo depois pela bombilla.

Ao ir e vir pelas ruas do bairro ao longo da tarde, da noite iniciada, vejo os vizinhos como bonecos de plasticina na televisão. Não é que não se mexam. Mas fazem-no a um ritmo pouco habitual. Não entendo se há mesmo quem não se chegue a levantar do lugar entre as cinco e as onze da noite. Farão turnos para ir à casa-de-banho? Para cortar mais um bocado de gelo da garrafa de plástico? Ou para carregar no shuffle da aparelhagem uma e outra vez? O tempo é diferente, aqui. Menos exigente. Talvez em proporção inversa às exigências do clima.

3 comentários:

  1. Que bom ler-te de volta :)
    Beijinhos
    Inês

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  2. Sara, fico feliz por voltar a ver-te escrever...eu, e certamente outros tantos,... familiares, amigos e alguns que nem conheces, como te disse... Eu faço parte dos desconhecidos :-). Não percas mais essa vontade, não nos deixes sem as tuas palavras, que tanto valem a pena...Pela, paixão que colocas nas coisas que fazes, pela emoção que sentimos quando chegas até nós...um beijo, Ana

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  3. Ui que bom tornar a ter textos teus para ler :) Até consegui estar aí !!! As chacañas podiam aprender com as nossas alentejanas e caiarem também as casas .... lol. Já os "ches" parecem bem mais activos que os compadres daqui ... pois afagar os carros é uma trabalheira !!!!

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